Uma cura que não é cura
Francisco, de 41 anos, mais
conhecido por Madeira, terra que o viu nascer e mais tarde se perder. O bairro
das Malvinas era o seu lar. A sua família numerosa, de 7 irmãos, com poucas
condições económicas viu o pai falecer muito cedo. Um futuro à descoberta, com
a adolescência e a curiosidade à mistura, levou a que experimentasse as
primeiras drogas leves.
Aos 15 anos era tudo simples, desde
o acesso ao consumo e à sensação de controlo e de euforia. “O que me dava
adrenalina era o facto de ser algo ilegal e de me fazer sentir popular”, fala
Madeira do seu primeiro contacto com este mundo.
Com apenas 16 anos já injetava
heroína, fumava três maços de tabaco por dia e bebia imenso álcool. Neste
momento ponderou que a solução seria desistir da vida – “Com o sofrimento da
minha família só pensava que seria menos um vagabundo no mundo”.
Saturado, começou a ponderar um
tipo de vida diferente aos 22 anos, nesta altura decidiu iniciar um tratamento
numa instituição da Ilha da Madeira, no entanto, com os poucos recursos que
despendia ficou numa lista de espera durante três anos. Sem fundamento de vida,
sem esperanças, deixa o trabalho que lhe sustentava o vicio e caí nas ruas da
amargura começando a roubar – “Tinha consciência que era errado, mas tinha
necessidade de o fazer”. Esses três anos de espera foram os mais penosos, para
além de roubar “comecei a consumir 24 sobre 24 horas heroína injectada, não
aparecia em casa, o que deixava a minha mãe preocupada e, para continuar a
alimentar o vicio cheguei a traficar”.
Em 1999, com apenas 25 anos de
idade, a família, depois de muita luta, consegue abrir uma oportunidade na Reto
à Esperança, uma organização sem fins lucrativos, de ajuda gratuita a pessoas
com problemas de toxicodependência, alcoolismo e marginalidade social. A maior
dificuldade prendia-se com a localização da associação: “Rumo ao continente
tornava-se cada vez mais difícil desprender-me da Ilha da Madeira. Tinha um irmão
em Portugal continental, mas não me relacionava com ele há vários anos.”
“Quis mudar de vida, foi a única
condição que a Reto à Esperança me impôs. Após 10 anos de consumo de
substâncias parecia que o ponto de viragem seria fácil”. Contudo, Madeira foi
sujeito a uma terapia de choque, sentiu os efeitos da ressaca sem qualquer tipo
de analgésico, o que o fez perceber as
consequências das más escolhas que fez.
Francisco passou praticamente dois
meses sem dormir devido aos efeitos da ressaca, no entanto, ressalva que “O
tratamento que o Estado nos propõe fora das instituições não é cura. Não somos
nenhuns doentes crónicos para ser tratados com medicamentos que só têm efeito
quando os tomamos. Uma droga não substitui a outra.”
A instituição foi um meio para dar
um ponto de viragem na vida de Madeira, mas a vontade já partia dele. “Eu era
feliz no meu egoísmo, tendo droga para consumo. Agora a minha felicidade é
ajudar os outros que passam por aquilo que eu passei.”
“Posso ficar com o rótulo de
toxicodependente, mas neste momento isso já não me afeta. Virei a página.”